Foto AGRAVO DE INSTRUMENTO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.015 DO C.P.C.
Notícias , Publicações

AGRAVO DE INSTRUMENTO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.015 DO C.P.C.

Por Renato Garcia

Dentre as várias alterações e novidades trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, um dos maiores alvos de crítica por parte da Doutrina e dos operadores do direito, sem dúvida alguma, foi a restrição das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento.

Como se sabe, o agravo de instrumento é o recurso pelo qual a parte impugna decisões interlocutórias que podem lhe acarretar prejuízos, que, se sanados apenas após cognição exauriente, podem tornar ineficaz o provimento jurisdicional.

Na atual sistemática, não basta que a decisão interlocutória cause prejuízo as partes, para que seja possível manejar o agravo de instrumento, a decisão proferida deve estar elencada em algum dos incisos do art. 1.015 do Código de Processo Civil.

Há tempos se atribuí ao agravo de instrumento, a culpa pela sobrecarga dos tribunais. Tomando emprestadas as palavras do Professor Daniel Amorim Assumpção Neves:

“O agravo de instrumento vem de muito tempo sendo apontado como o grande vilão da morosidade dos tribunais de segundo grau, que, abarrotados dessa espécie de recurso, não conseguem julgá-los em tempo razoável, prejudicando também os julgamentos das apelações, que, sem a preferência de julgamento que têm os agravos de instrumento, demoram cada vez mais para serem julgadas[1]”.

Neste rumo, o legislador, com o propósito de “desafogar” os tribunais de segundo grau, elaborou um rol taxativo de decisões interlocutórias impugnáveis via agravo de instrumento.

Ocorre que, não é difícil imaginar situações em que decisões interlocutórias, que não constam no art. 1.015 do C.P.C., acarretem prejuízos irreparáveis ou de incerta reparação as partes, como por exemplo, o indeferimento de produção de prova testemunhal.

Como bem observou o Professor de Humberto Theodoro Júnior, todas as decisões interlocutórias são recorríveis, algumas de imediato, outras em preliminar recursal ou de contrarrazões, pois de acordo com o art. 1.009 do C.P.C., as decisões interlocutórias que não comportam agravo de instrumento, não se opera a preclusão[2].

Na prática, tal possibilidade, ao contrário do que pretendia o legislador, pode tornar os processos ainda mais morosos, isso porque, caso uma preliminar arguida em apelação/contrarrazões seja acolhida, anulará todos os atos praticados após a decisão guerreada, violando os princípios da economia processual e razoável duração do processo, já que, após a devida instrução e posterior sentença, os autos retornarão ao tribunal em caso de novo apelo.

Outrossim, considerando o acolhimento de uma preliminar recursal, que tenha como objetivo a anulação de uma decisão que negou a produção de uma determinada prova, é possível que, quando os autos retornem à vara de origem, a prova pretendida não possa mais ser produzida, como ocorreria por exemplo, em caso de morte de uma testemunha.

Diante de tal problemática, a doutrina apostava que na impossibilidade de interposição do agravo de instrumento, as partes passariam a impetrar Mandado de Segurança, o que até foi tentado por parte dos advogados, no entanto, ainda que em alguns casos pontuais isso tenha sido admitido, rapidamente se formou uma jurisprudência defensiva, que vem vetando esta prática, sob o fundamento de que o Mandado de Segurança não pode ser utilizado como um sucedâneo recursal.

No entanto, suprindo a deficiência legislativa em comento, nossos Tribunais estão interpretando o art. 1.015 do Código de Processo Civil de maneira diversa da proposta, o que aparentemente é o mais correto, até porque, é praticamente impossível elencar em numerus clausus, todas as decisões que podem acarretar prejuízos aos litigantes.

Neste rumo, representando muito bem esse novo posicionamento jurisprudencial que está se formando, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nos autos do agravo de instrumento registrado sob o nº 0027554-12.2017.8.19.000, que discutia a aplicação de multa pelo não comparecimento em audiência de conciliação, afirmou que o rol do artigo 1.015 do C.P.C. é exemplificativo, conforme se observa na ementa transcrita abaixo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. IMPOSIÇÃO DE MULTA. CABIMENTO. ROL EXEMPLIFICATIVO. 1. Preliminar de prevenção que não pode ser acolhida, considerando que a eminente Desembargadora não compunha o órgão julgador na época da distribuição. 2. O rol do artigo 1.015 do CPC/2015, é exemplificativo, admitindo outras hipóteses, em especial a dos autos que impõe multa. Não se mostra razoável a adoção de mandado de segurança, ou aguardar o julgamento final, para impugnar a decisão. 3. Advogado que comparece a audiência de conciliação com poderes para transigir. Aplicação da multa pelo magistrado, nos termos do artigo 344, § 8º, do CPC/2015. Impossibilidade, considerando que o advogado pode realizar, a qualquer tempo, acordos em favor de seu cliente, através de um mandato com poderes específicos para transigir sobre o direito versado na ação, não é razoável que, somente para este primeiro ato, não seja possível o exercício do poder outorgado. Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do Desembargador Relator.”

O D. Desembargador Relator Cherubin Helcias Schwartz Junior, utilizou como alicerce precedentes daquela mesma corte proferida no ano 2016[3], e, de sua acertada fundamentação, vale destacar alguns trechos que ilustram com clareza a amplitude hermenêutica ora defendida:

“[…] Consoante já pontuei em outros processos, o rol do artigo 1.015 do CPC/2015, é exemplificativo, autorizando outras situações em que pode ser conhecido agravo de instrumento.

Determinadas situações, que podem gerar prejuízo imediato às partes (ou a terceiros) de modo a justificar o pronto acesso ao Tribunal de segunda instância, são perceptíveis que não alcançadas pelo aludido dispositivo legal e podem ocasionar não só prejuízo, como também, caso apreciáveis apenas e somente por ocasião da futura apelação, retardar o trâmite do processo, colidindo com um dos objetivos precípuos do novo CPC, que é o de atribuir o maior índice possível de resultados úteis ao processo civil.

Parece-nos evidente, assim, que algumas situações, em especial a dos autos, não previstas no artigo 1.015 do CPC/2015 como passíveis de interposição de agravo de instrumento, que poderão gerar prejuízo imediato à parte ou à própria efetividade do processo, indicando, assim, a necessidade de se atribuir ao litigante alguma via impugnativa da decisão não acobertada pelo dispositivo em questão, de forma imediata.”.

Já o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, representado pela 31ª Câmara de Direito Privado, nos autos do Agravado de Instrumento nº 2078616-34.2016.8.26.0000, não taxaram o art. 1.015 do C.P.C. como um rol meramente exemplificativo, no entanto, entenderam os D. Desembargadores que cada um dos incisos do artigo em comento, comporta uma interpretação extensiva, vejamos:

“[…] Entretanto, ressalte-se, por oportuno, que a taxatividade não é incompatível com a interpretação extensiva, de modo que, conquanto taxativas as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento dispostas no art. 1015 do novo CPC, se

mostra possível a interpretação extensiva de cada um dos seus incisos.

No caso dos autos, houve declinação de competência e, como se vê, tal hipótese não se encontra disposta no rol taxativo do art. 1015 do CPC/2015.

Contudo, considero que, em sede de interpretação extensiva, o tema da competência pode ser enquadrado no inciso III do referido artigo, que dispõe que cabe agravo de instrumento contra decisão que rejeitar a alegação de

convenção de arbitragem.

É que a decisão sobre convenção de arbitragem está, de certa forma, resolvendo sobre a competência do juiz ou do árbitro para a solução do problema, posto que

quando rejeitada a convenção, o magistrado está decidindo que é competente para julgar o caso. […]”.

Com isso, o D. Relator Carlos Nunes, aplicou o inciso III, do Art. 1.015 do C.P.C., que trata da sobre a rejeição de alegação de convenção de arbitragem, em um recurso que, dentre outras matérias, se discutia a competência do juízo.

A discussão sobre a taxatividade já chegou inclusive ao S.T.J., que ao julgar o REsp 1694667/PR, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, também entendeu que os incisos do artigo analisado devem, ser interpretados de forma extensiva, vejamos:

[…] 4. A situação dos autos reclama a utilização de interpretação extensiva do art. 1.015, X, do CPC/2015. 5. Em que pese o entendimento do Sodalício a quo de que o rol do citado art. da nova lei processual é taxativo, não sendo, portanto, possível a interposição de Agravo de Instrumento, nada obsta a utilização da interpretação extensiva. 6. “As hipóteses de agravo de instrumento estão previstas em rol taxativo. A taxatividade não é, porém, incompatível com a interpretação extensiva. Embora taxativas as hipóteses de decisões agraváveis, é possível interpretação extensiva de cada um dos seus tipos”. (Curso de Direito Processual Civil, vol. 3. Fredie Didie Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha. ed. JusPodivm, 13ª edição, p. 209). 7. De acordo com lição apresentada por Luis Guilherme Aidar Bondioli, “o embargante que não tem a execução contra si paralisada fica exposto aos danos próprios da continuidade das atividades executivas, o que reforça o cabimento do agravo de instrumento no caso”. (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. XX. Luis Guilherme Aidar Bondioli. ed. Saraiva, p. 126). 8. Ademais, o pedido de concessão de efeito suspensivo aos Embargos à Execução poderia perfeitamente ser subsumido ao que preconiza o inciso I do art. 1.015 do CPC/2015, por ter natureza de tutela provisória de urgência. Dessa forma, por paralelismo com o referido inciso do art. 1015 do CPC/2015, qualquer deliberação sobre efeito suspensivo dos Embargos à Execução é agravável. 9. Dessa forma, deve ser dada interpretação extensiva ao comando contido no inciso X do art. 1.015 do CPC/2015, para que se reconheça a possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento nos casos de decisão que indefere o pedido de efeito suspensivo aos Embargos à Execução. 10. Recurso Especial provido.

 

Doutra ponta, esta mesma corte superior, já entendeu ser incabível agravo de instrumentos interpostos contra decisões que não taxadas[4].

Desta forma, enquanto esta questão não for cristalizada por nosso Tribunal Superior, temos que nos atentar às perigosas consequências que esta divergência jurisprudencial pode causar, já que, se um determinado tribunal for adepto da interpretação extensiva, e uma decisão que a comporte deixar de ser impugnada por agravo de instrumento, perderá a proteção dada pelo art. 1.009 e operar-se-á sobre ela, os efeitos da preclusão.

Nesta linha de raciocínio, há muita critica sobre a interferência do Poder Judiciário na esfera Legislativa, no entanto, nas decisões transcritas acima, o Poder Judiciário, imbuídos do dever de garantir a efetividade das decisões judiciais, zelando pelo princípio da celeridade e economia processual, aplicaram a lei de maneira diversa da proposta pelos legisladores, e embora com fundamentos distintos, se posicionaram de modo a evitar prejuízo as partes.

Temos então que, independente se a interpretação for extensiva, ou se o rol do art. 1.015 for tido como meramente exemplificativo, o que não deve ser tolerado, é a violação ao exercício da ampla defesa, ou que as partes sejam prejudicadas em razão da sobrecarga de alguns Tribunais Estaduais.

[1] Neves, Daniel Amorim Assumpção, Manual de direito Processual Civil – Volume único, 8. Ed. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, pg. 1563.

[2]  Theodoro Júnior, Humberto, Curso de Direito Processual Civil – Execução forçada, processo nos tribunais, recursos e direito intertemporal – vol. III, 48 ed. Ver., atual.e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, pg. 1038.

[3] Agravos de instrumento nº 0019751-12.2016.8.19.0000, TJ/RJ – 0024278-07.2016.8.19.0000 TJ/RJ

[4] AgRg no Ag 1433611 / MS