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A AMICUS CURIAE NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Por ERIKA NEGRI MACEDO

A Lei 13.105/2015 trouxe em seu bojo diversas alterações e novidades, sendo elas em alguns momentos boas ou em outros um tanto quanto questionáveis para o dia-dia forense.

Como bem sabemos, pelo texto contido no revogado Código de Processo Civil não havia previsão para a atuação do amicus curiae – que é corretamente traduzido como amigo da corte – desde a fase inicial do processo, talvez, sendo esta uma das mais relevantes novidades do Código de Processo Civil.

O instituto do amicus curiae encontra-se previsto em nosso sistema legal há muito tempo, todavia sempre foi pouquíssimo utilizado, principalmente pela restrição de sua atuação imposta pelo legislador. No entanto, o amicus curiae trata-se de importante figura jurídica cuja atuação faz valer um dos mais importantes princípios, o contraditório.

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

  • 1º. A intervenção de que trata ocaputnão implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do §3º.
  • 2º. Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes doamicus curiae.
  • 3º. Oamicus curiaepode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Tal posicionamento é o que possui o ilustre professor Cassio Scarpinella Bueno, conforme expôs em artigo acerca do instituto.

Assim, a pergunta ‘o que é amicus curiae’ deve ser entendida como ‘quem pode desempenhar o papel do amicus curiae no direito brasileiro’, isto é, quem pode levar ao Estado-juiz as vozes dispersas da sociedade civil e do Estado naqueles casos que, de uma forma ou de outra, serão sensivelmente afetadas pelo que vier a ser decidido em um caso concreto?

Nesse contexto de análise, não há como recusar ser, o amicus curiae, agente do contraditório, entendido em amplitude diversa daquela em que, em geral, nossa doutrina se refere a ele.”

Como se pode observar pelo caput do supra citado artigo, a intervenção do amicus curiae poderá ser utilizada já em primeira instância, a pedido do magistrado, sendo que tal intervenção terá grande valia nos casos de grande complexidade, haja vista que o amigo da corte possui conhecimento específico acerca do tema em debate, que poderá desde o início da demanda auxiliar no correto deslinde.

No entanto, caberá ao juiz ou relator, quando da determinação do ingresso do amicus curiae determinar os poderes inerentes a este para atuação naquele processo. Todavia, há que se considerar que a tarefa concedida aos magistrados pode gerar uma serie de discussões, uma vez que enquanto um magistrado pode conferir poderes quase que ilimitados, outro magistrado pode tolher por completa a possibilidade de atuação do amicus curiae.

Seguindo essa linha de pensamento e todos os benefícios que irão advir dessa novidade, temos que nossa legislação ao mesmo tempo que deu um grande e inovador passo visando a solução de demandas, acabou por regredir em alguns pontos de maneira drástica.

Note-se que a função do amicus curiae é trazer uma visão técnica da matéria posta em debate, tentando facilitar o entendimento do caso e auxiliando o Magistrado quando de sua decisão sobre a demanda. Ressalte-se que sua atuação tende a se dar em casos de grande repercussão e interesse social, tais como questões relativas ao mercado imobiliário, financeiro, direito a saúde, direitos autorais, dentre outros.

A título de exemplo, temos diversos casos de grande repercussão, em que a atuação do amicus curiae fora essencial. Veja, no caso relativo a validade da pactuação de tarifas de abertura de crédito e emissão de carnê em contratos bancários[1], a Federação Brasileira de Bancos atuou como amicus curiae, trazendo àqueles autos informações relevantes que auxiliaram os Ministros a elucidar o caso, haja vista seu conhecimento técnico acerca do tema em debate.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.251.331 – RS (2011/0096435-4)

RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

RECORRENTE : AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A

ADVOGADOS : SIRLEI MARIA RAMA VIEIRA SILVEIRA E OUTRO(S)

ISABELA BRAGA POMPILIO E OUTRO(S)

RECORRIDO : ENÉAS DA SILVA AMARAL

ADVOGADO : MARCO AURÉLIO VILANOVA AUDINO E OUTRO(S)

INTERES. : BANCO CENTRAL DO BRASIL – “AMICUS CURIAE”

PROCURADOR : PROCURADORIA-GERAL DO BANCO CENTRAL

INTERES. : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS FEBRABAN – “AMICUS

CURIAE”

ADVOGADO : LUIZ RODRIGUES WAMBIER E OUTRO(S)

ADVOGADA : TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DIVERGÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. RECURSOS REPETITIVOS. CPC, ART. 543-C. TARIFAS ADMINISTRATIVAS PARA ABERTURA DE CRÉDITO (TAC), E EMISSÃO DE CARNÊ (TEC). EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES. MÚTUO ACESSÓRIO PARA PAGAMENTO PARCELADO DO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF). POSSIBILIDADE.

Desta forma, quando o legislador pátrio deixou de delimitar os poderes do amicus curiae e atribuiu tal função a juízes e desembargadores, acabou por, possivelmente, prejudicar ou até mesmo invalidar sua atuação, o que é extremamente prejudicial não apenas ao amicus curiae, mas principalmente para a sociedade, que por vezes poderá não usufruir daquilo que o amicus curiae tenha a oferecer.

Igualmente pecou o legislador pátrio ao incorporar a letra legal posicionamento jurisprudencial pacificado no STF acerca da impossibilidade de interposição de recursos pelo amicus curiae, à exceção dos embargos de declaração.

Mas, deixando de lado as alterações não muito felizes previstas no Código de Processo Civil, o amicus curiae, a partir de agora passa a ser visto como uma das hipóteses de intervenção de terceiros, podendo ingressar no processo a requerimento da parte ou de ofício, já em primeiro grau e em qualquer tipo de processo, não só apenas nos que anteriormente era possível.

Destaque-se ainda que o amicus curiae poderá fazer uso da interposição de recursos em face de decisão que julgar incidente de resolução de demandas repetitivas – IRDD, mais um novo instituto previsto no Código de Processo Civil. Abaixo segue recente caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em que a referida novidade legislativa fora utilizada.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.729.593 – SP (2018/0057203-9)

RELATOR : MINISTRO PRESIDENTE DA COMISSÃO GESTORA DE PRECEDENTES

RECORRENTE : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE INCORPORADORAS IMOBILIARIAS – ABRAINC – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADOS : RUBENS CARMO ELIAS FILHO E OUTRO(S) – SP138871

DANILO DE BARROS CAMARGO  – SP305565

RECORRENTE : SIND EMP COMP VENDA LOC ADM IMOV RESID COMERC SAO PAULO

RECORRENTE : CAMARA BRASILEIRA DA INDUSTRIA DA CONSTRUCAO

ADVOGADO : JOSE CARLOS BAPTISTA PUOLI E OUTRO(S) – SP110829

RECORRENTE : MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES SA

RECORRENTE : PARQUE PIAZZA NAVONA INCORPORACOES SPE LTDA

ADVOGADOS : ANDRÉ JACQUES LUCIANO UCHOA COSTA E OUTRO(S) – MG080055

LEONARDO FIALHO PINTO  – MG108654

RECORRIDO  : FUNDAÇAO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR PROCON

PROCURADORES : MARIA BERNADETE BOLSONI PITTON E OUTRO(S) – SP106081

MARIA DO CARMO GUARAGNA REIS E OUTRO(S) – SP099281

VINICIUS JOSE ALVES AVANZA E OUTRO(S) – SP314247

INTERES.   : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO

INTERES.   : JUNIOR DE MOURA ATAIDE

DESPACHO

Vistos etc.

Trata-se de recursos especiais interpostos contra julgamento de mérito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) n. 0023203-35.2016.8.26.0000, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que especificamente impugnaram a conclusão adotada pelo TJSP em relação às seguintes teses jurídicas (e-STJ, fls. 1.630 e 1.631): Tema n. 2 Na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível o prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel. Tema n. 5 O atraso da prestação de entrega de imóvel objeto de compromisso de compra e venda gera obrigação da alienante indenizar o adquirente pela privação injusta do uso do bem. O uso será obtido economicamente pela medida de um aluguel, que pode ser calculado em percentual sobre o valor atualizado do contrato, correspondente ao que deixou de receber, ou teve de pagar para fazer uso de imóvel semelhante, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma já regularizada Tema 6 – É ilícito o repasse dos “juros de obra”, ou juros de evolução da obra, ou taxa de evolução da obra, ou outros encargos equivalentes após o prazo ajustado no contrato para entrega das chaves da unidade autônoma, incluído período de tolerância. Tema 8 – O descumprimento do prazo de entrega de imóvel objeto de compromisso de venda e compra, computado o período de tolerância, não faz cessar a incidência de correção monetária, mas tão somente dos juros e da multa contratual sobre o saldo devedor. Devem ser substituídos indexadores setoriais, que refletem a variação do custo da construção civil, por outros indexadores gerais, salvo quando estes últimos forem mais gravosos ao consumidor. Nos termos do art. 256-H do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o recurso especial interposto contra acórdão de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal que julgue o mérito do IRDR tramitará nesta Corte conforme o procedimento estabelecido para o recurso indicado pelo tribunal de origem como representativo da -controvérsia (RISTJ, arts. 256 ao 256-H). Essa determinação regimental se justifica pela abrangência dos efeitos da decisão a ser proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial interposto contra o julgamento do IRDR cuja tese será “aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito” (CPC, § 2º do art. 987). Nesse sentido, as disposições do CPC e do RISTJ buscam dar ao acórdão proferido no recurso especial interposto em julgamento de mérito de IRDR os mesmos efeitos do acórdão em julgamento de recurso especial repetitivo, precedente qualificado nos termos do art. 121-A do RISTJ, c/c o art. 927 do CPC. No entanto, para que a Corte Especial ou as Seções do STJ, órgãos colegiados competentes para julgar o recurso especial repetitivo, possam apreciar o mérito de recurso sob o rito especial, os arts. 256-I e 257 do RISTJ, c/c o inciso II do art. 1.037 do CPC estabelecem uma fase de admissibilidade do processo em que o colegiado deve se manifestar a respeito da afetação do processo, etapa subsequente ao reconhecimento da admissão do recurso como representativo da controvérsia. A fase de admissibilidade, já consagrada pela legislação e pela prática judiciária do STJ, é essencial para a definição da questão jurídica a ser submetida a julgamento pela Corte e permite a construção do precedente qualificado com a identificação objetiva de suas etapas: afetação, sobrestamento de processos, julgamento e aplicação da tese nos feitos em tramitação  em todo o território nacional. Dessa forma, a critério do relator destes autos e, em última análise, do órgão julgador competente para apreciar o seu mérito, o presente recurso, caso atenda aos requisitos de admissibilidade, será afetado para julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos. Por outro lado, caso o processo não preencha os pressupostos legais para afetação ao rito dos recursos repetitivos será julgado de forma ordinária por uma das Turmas do STJ nos termos do inciso IV do art. 14 do RISTJ, não tendo a sua decisão, salvo melhor juízo, o efeito estabelecido pelo § 2º do art. 987 do CPC. Ante o exposto e tendo em vista o feito estar registrado ao Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, em atendimento ao inciso I do art. 2º da Portaria STJ/GP n. 299 de 19 de julho de 2017, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para que, no prazo de 15 dias, se manifeste a respeito da admissibilidade deste recurso especial como representativo da controvérsia. Cumpra-se.

Brasília (DF), 21 de março de 2018.

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Presidente da Comissão Gestora de Precedentes – Portaria STJ

299/2017

(Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 23/03/2018)

Assim, temos que o legislador pátrio ao mesmo tempo que buscou conferir maior amplitude a figura do amicus curiae, este também acabou por perder excelente oportunidade para consolidar seus poderes de atuação e até mesmo ampliá-los – no que tange ao poder recursal – uma vez que o amicus curiae, em que pese tratar-se de um terceiro, quando presente desde o início da demanda pode ser considerado como parte fazendo uso de todos os ônus e bônus advindos.

Inobstante, torna-se o amicus curiae mais uma arma na busca do direito a que se pleiteia, cabendo as partes utilizar tal instituto com sabedoria e ponderação para que não se venha a surgir jurisprudência defensiva, como ocorre hoje com diversos tópicos processuais, o que é extremamente prejudicial ao jurisdicionado.

 

Bibliografia

BECKER. Rodrigo Frantz, Amicus curiae no novo CPC, disponível em www.jota.uol.com.br/amicus-curiae-novo-cpc, acessado em 28.05.2016 às 12:52.

BUENO. Cassio Scarpinella, Quatro perguntas e quatro respostas sobre o amicus curiae, disponível em www.scarpinellabueno.com.br/textos/amicus%20curiae.pdf, acessado em 28.05.2016 às 12:15

[1] REsp 1251331/RS, 02ª Seção, STJ, DJ: 28.08.2013.